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Minha experiência trabalhando como freelancer a bordo de uma Kombi

kombi atacama

Tudo começa num dia normal na cidade de Campinas, assistindo ao documentário Transpatagônia do jornalista Guilherme Cavallari no Netflix. Depois de uma epifania de euforia, eis que passada uma semana havia comprado uma Kombi 1990 branca e começado a traçar o trajeto até “El fin del mundo”.

Antes de mais nada, deixa eu me apresentar, sou desenvolvedor de sistemas desde 2007, trabalho como freelancer desde 2011 quando ainda tinha um trabalho fixo e após o horário comercial fazia alguns freelas para aumentar a renda e a partir de 2013 comecei a trabalhar como freelancer full time.

Desde que trabalho como freelancer, faço viagens e consigo conciliar trabalho e lazer. Já fiz alguns mochilões pela Europa, mas, na maioria das vezes, trabalho de casa mesmo. No começo foi um pouco difícil de conciliar o trabalho com a vida pessoal, ainda quando morava com meus pais a maior dificuldade era de explicar para eles que eu estava em casa à trabalho e não a toa, sendo assim as interrupções eram frequentes. Sempre entendi que trabalhando como freelancer eu deveria ter meu ambiente de trabalho bem definido.

Trabalhar como freelancer me possibilitou ter uma ótica diferente do trabalho, sem cair muito no clichê do nômade digital que trabalha de uma praia deserta (aff me dá calafrios de pensar no calor escaldante das praias da Tailândia e eu programando ou então na areia caindo no notebook). É possível trabalhar de qualquer lugar que você imagina, até mesmo de dentro de uma Kombi, basta ter uma boa internet e um ambiente devidamente configurado como mesa, cadeira e um belo fone de ouvido para isolar o barulho alheio.

A viagem

Desde que assisti o documentário, não consegui parar de pensar nessa viagem. Sem muito planejamento e no mais puro processo “Go Horse”, eis que após 60 dias estava com a Kombi montada e pronta para servir de escritório sobre rodas, tive que fazer algumas adaptações na Kombi é claro, comprei um suporte para transformar os bancos traseiros num sofá cama, algumas caixas de MDF para guardar mantimentos e roupas como se fossem um armário, uma pia para lavar louça e escovar os dentes, uma caixa de plástico para servir como caixa de gordura da louça lavada, um galão de plástico para servir de reservatório d’água e o mais importante, um transformador de voltagem 12V/110V: essa era a chave para que eu pudesse trabalhar na pista.

adaptação kombi

O plano era sair de Campinas SP e descer até o Ushuaia, que é a cidade mais austral do mundo. Depois dela só há Antártida,  gelo e temperaturas que beiram os 30 graus negativos.

Como a partida estava marcada para março (outono), estava com medo de chegar lá no começo do inverno, pois a partir do inverno há lugares no sul da Argentina e do Chile em que é obrigatório o uso de correntes nos pneus. O planejamento inicial era descer pelo sul do Brasil, passando pelos estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul e depois cruzar para a Argentina pela cidade de São Borja. Depois, descer sentido ao Sul, passando por Buenos Aires, Puerto Madryn, Comodoro Rivadavia, Rio Gallegos e, por fim, cruzar o estreito de Magalhães para a Tierra del Fuego, no extremo sul do continente americano.

Isso tudo em 30 dias que, na verdade, demoraram 62 dias cravados. Ocorreram alguns problemas mecânicos e de trajeto, acabei ficando alguns dias a mais em uma cidade aqui, outra ali e por ai vai.

trajeto

Assim que o objetivo foi alcançado, era hora de voltar para o Brasil. O plano era subir a cordilheira dos Andes pela mundialmente conhecida carretera australque é uma rodovia localizada no sul do Chile e tem como característica sua geografia acidentada e de difícil acesso, até Santiago do Chile e depois cruzar para o lado argentino pelo paso de los libertadores até a cidade de Mendoza.

Como o inverno já estava bem próximo, a fronteira (paso) estava fechada graças às nevascas. Resumindo, 1.600 km de estrada a mais até o deserto do Atacama para voltar para casa. Essa foi a surpresa mais bem vinda da viagem, pois consegui ficar alguns dias a mais no posto onde estava dormindo para colocar os trabalhos em dia e além do baque que foi cruzar o deserto do Atacama dentro de uma kombi escritório.

los caracoles

Após cruzar o Atacama a mais de 5.800 metros de altitude, já estava no norte da terra dos hermanos, na região da quebrada de Humahuaca, conhecendo a cultura dos povos andinos e trabalhando, sentido Brasil ainda cruzando toda a parte centro/norte da Argentina para então chegar em Foz do Iguaçu, comer um feijão, ir a um rodízio de carnes (eita saudade…rs) e comprar umas bugigangas em Ciudad del Leste Paraguai, e subir em sentido ao interior paulista, após 100 dias de viagem enfim em Campinas à bordo da Baunilha (sim, ela tinha um nome).

atacama

Mas espera um pouquinho, até agora só falei da viagem, nada de trabalho, quer dizer que o senhor só foi rosetar, responsabilidade ZERO né!? Não é bem assim, conto minha rotina de trabalho logo abaixo.

O trabalho

Como citei acima, tento fugir ao máximo do clichê nômade-digital-que-trabalha-em-lugares-paradisíacos, acredito que essa seja uma forma de romantizar o trabalho freelancer e inserir um certo teor de utopia a esse modelo de trabalho. Sim, é possível conciliar o trabalho com algumas viagens, basta se planejar e ter o mínimo possível para que se possa trabalhar, coisas como uma internet razoavelmente boa (algo em torno de 2 a 5 mb já está de bom tamanho), energia e um pouco de tranquilidade também, porque não é possível trabalhar de cima das pirâmides do Egito ou então dentro do mercado público de Santiago do Chile.

Depois de algumas pesquisas no Google, notei que a maioria dos postos de gasolina das estradas tinham internet gratuita com velocidades aceitáveis para se ter um dia de trabalho, como estava com uma Kombi quase motor home, foi pensando nisso que assumi os postos de gasolina como minha “infra estrutura” base. Saindo de Campinas, o primeiro local de trabalho foi no posto Avião em Garibaldi RS, um posto com uma bela estrutura, contando com boa comida, banheiros limpos, chuveiros quentes e internet de 10 mb (uau!), um pouco antes ainda finalizei alguns jobs via modem 3G, troquei algumas informações com clientes e passei alguns orçamentos, até o momento nada de muito complexo. Em Florianópolis também fiquei num hostel de um amigo meu e pude executar algumas tarefas de lá.

atacama isolado

Enfim, trabalho pesado, muitas linhas de código para escrever e muitos bugs para resolver, havia fechado um job relativamente grande para desenvolver um backend para um aplicativo. Para quem não sabe, backend é onde estão armazenadas todas as informações de um aplicativo, por exemplo quando você acessa seu aplicativo do Ifood para pedir comida e vê aquele monte de restaurantes divididos por tipo de comida e zilhões de filtros, algum humano entrou com todas essas informações e todo o controle e fluxo daquela informação passou por um backend.

A grande maioria dos trabalhos que desenvolvo são de contatos que já tinha trabalhado antes, embora há casos de projetos que fecho por sites de freelancer. Por acaso este projeto foi fechado no site prolancer, o projeto tinha deadline de entrega de 60 dias, então mãos a obra!

Admito que essa seria a primeira vez que iria programar de uma Kombi, tinha feito algumas modificações como uma pequena mesinha, cadeira e até uma espécie de sofá para poder acomodar bem o notebook, ligar os fones e entrar “in the zone”. Como já estou habituado a trabalhar como freelancer há algum tempo, utilizo algumas ferramentas para gestão de tempo e tarefas, gastei 2 dias organizando meu tempo hábil em ordem de prioridade com o teamworks e criando o repositório no bitbucket, baixei todas as bibliotecas necessárias para o desenvolvimento e apertei o botão INICIAR!

escritorio

As primeiras semanas foram bem tranquilas, consegui me habituar a trabalhar do período da tarde até a noite, depois de ter dirigido cerca de 300 km todos os dias. A maioria dos postos tinham um boa internet, salvo aqueles que se pareciam com postos de gasolina de filmes que se passam no meio oeste americano da década de 80, no máximo nesses postos só tinha um banheiro e nada mais. Nesses dias tentava acelerar as coisas offline mesmo e, se não conseguia, procurava outro posto melhor no outro dia. Em algumas cidades maiores, como Buenos Aires, El Bolson (próximo de Bariloche), EL Calafate, Ushuaia e Santiago do Chile, resolvi ficar em hostels e Airbnb para agilizar o trabalho e poder desfrutar mais da viagem.

estrada

Até aqui tudo bem, estava tudo como planejado, sempre conseguindo internet, notebook sempre carregado (lembra do  transformador de voltagem 12/110V?), até sobrava um tempinho para assistir a quarta temporada de House of Cards.

Mas o pior ainda está pra chegar, quanto mais ao sul da Argentina eu ia chegando, pior o sinal da internet ia ficando e cada vez mais os postos de gasolina eram estilo “faroeste”. Isso começou a me assustar, já que o trabalho estava começando a atrasar porque não conseguia um local bom o bastante para trabalhar. A parte sul do continente americano é bem inóspita e isolada, a internet quase não chega e quando chega é muito lenta e instável.

patagonia isolada

A saída então seria acelerar o ritmo até o Ushuaia e de lá ficar hospedado em algum lugar para terminar as tasks que estavam atrasadas e após isso ir em direção ao norte que era menos isolado e mais desenvolvido, nesse meio tempo uma outra dificuldade começou a tomar proporções, o frio!

O frio na patagônia é bem intenso, no Ushuaia nessa época do ano as temperaturas são negativas e o vento cortante, durante cerca de uma semana fiquei com o trabalho atrasado, isso começou me dar certa agonia, precisava entregar os pacotes que havia prometido, chegando em Ushuaia foquei em terminar e coloquei prioridades já que sabia que até chegar numa zona mais habitada demoraria bastante.

Depois de um tempo na estrada trabalhando, consegui me adaptar ao ritmo de trabalho, porém ao entregar esse projeto resolvi não pegar mais nenhum freela. Tive certa dificuldade em estabilizar meu ambiente de trabalho e conciliar os prazos de entrega dos jobs, quando se está viajando de carro sempre há pequenos detalhes a serem resolvidos, o clima extremo e o local muito isolado também contribuíram para as dificuldades.

Trabalhar como freelancer é uma opção válida nos dias de hoje, o custo de se ter um funcionário alocado fisicamente é alto, essa sazonalidade que os freelancers proveem é bem interessante tanto para a empresa quanto para o próprio profissional. Se não fosse a liberdade que tenho trabalhando como freelancer, jamais poderia fazer uma viagem dessas, ou então teria que pedir as contas do trabalho somente para fazer isso. Consegui conciliar o trabalho e a viagem, concordo que não foi uma tarefa das mais fáceis, já trabalhei enquanto viajava, mas sempre que estava trabalhando, estava fixo em algum lugar e nunca sem um endereço fixo por pelo menos um tempo.

Classificaria essa viagem como uma experiência, para os mais aventureiros é uma maneira bem interessante de trabalhar viajando, serviu como um aprendizado, acredito que um pouco mais de planejamento, uma estrutura mais bem pensada e a escolha de um lugar menos isolado também ajudariam.

Não pensem que fui nessa aventura sozinho, minha parceira de loucura Daianny Correa, que também é freelancer, me acompanhou. Um pouco antes da viagem criamos um blog que serviria como um diário, mas no meio do caminho tivemos um problema muito sério com a godaddy, perdemos todo conteúdo, mas ainda consegui recuperar boa parte. O endereço é tripdelic.com, estamos adicionando algumas anotações que tínhamos salvas para vocês poderem conhecer mais sobre essa viagem!


Lembrando que estamos também no nosso canal no YouTube, com vídeos novinhos sobre a vida de freela. Assina lá para não perder nenhum conteúdo. Também marcamos presença no Facebook, Instagram e LinkedIn. Nesses canais, compartilhamos muitas dicas para ter mais sucesso como freelancer e também para aproveitar todos os benefícios da carreira independente. É claro, também respondemos dúvidas. Só deixar elas aqui nos comentários do post 😃 

Picture of Jefferson Bernardino

Jefferson Bernardino

Programador por formação, louco por vocação! Sou muito curioso, odeio rotina, adoro surpresas e experimentar comidas exóticas. Sou apaixonado por música eletrônica, tecnologia e viagem. Trabalho com tecnologia/web desde 2006, já trabalhei em empresas de grande e médio porte mas nunca estive satisfeito, atualmente trabalho como freelancer, também escrevo no purpletrance.com e tripdelic.com.
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Programador por formação, louco por vocação! Sou muito curioso, odeio rotina, adoro surpresas e experimentar comidas exóticas. Sou apaixonado por música eletrônica, tecnologia e viagem. Trabalho com tecnologia/web desde 2006, já trabalhei em empresas de grande e médio porte mas nunca estive satisfeito, atualmente trabalho como freelancer, também escrevo no purpletrance.com e tripdelic.com.

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